quarta-feira, 25 de março de 2009

A escolha e o chamado de Abraão


A história de Israel tem seu início em Gênesis 12:1-3 quando Deus escolhe e chama Abraão com a finalidade de fazer, a partir dele, uma nova e grande nação. Embora esta promessa tenha colocado Abraão e seus descendentes num papel de grande visibilidade e importância na história da salvação, uma análise mais cuidadosa do evento que envolve sua eleição e chamado pode nos oferecer uma visão mais precisa acerca dos propósitos de Deus para com esta nova e grande nação que viria a surgir.



Primeiramente, a eleição e o chamado de Abraão são inteiramente frutos da ação graciosa de Deus. Como Hedlund observa, sendo Abraão um arameu de ascendência pagã (Gênesis 11:26-29) e originário de uma família idólatra (Josué 24:2), ele não poderia ter qualquer mérito na escolha de Deus.[1] Abraão e seus descendentes deveriam lembrar-se constantemente que sua eleição e chamado não se baseavam em seus próprios méritos, mas na iniciativa de Deus em amá-los e chamá-los dentre as nações (Deuteronômio 7:6-8). Como Berkouwer afirma, “esta imerecida eleição excluía desde o princípio toda autoconfiança e toda pretensão dela derivada.”[2]

[1] Roger E. Hedlund, The Mission of the Church in the World (Grand Rapids: Baker Book House, 1991), 37
[2] G. C. Berkouwer, Studies in Dogmatics: The Church (Grand Rapids: Eerdmans, 1976), 403



Em segundo lugar, uma vez que a eleição e o chamado de Abraão apontam para a graça de Deus, esta eleição e este chamado são para ser entendidos não como um mero privilégio, mas como uma responsabilidade para com as nações da terra.[1] A eleição é um chamado para o serviço e envolve o dever de testemunhar entre as nações.[2] Abraão e sua descendência foram comissionados para ser canal pelo qual outras nações seriam abençoadas. O mesmo Deus que abençoa Abraão também o comissiona para ser o instrumento de sua benção a todas as famílias da terra. Portanto, a eleição e o chamado não poderiam ser entendidos por Abraão e sua descendência como benefícios para seu próprio conforto e satisfação, mas para o serviço às nações junto a missão de Deus na história humana. Enfatizando isso, Newbigin escreve:

"Aqueles que são escolhidos para serem portadores das bênçãos, são escolhidos em favor de todos… Novamente deve ser dito que eleição é para responsabilidade e não para privilégio… A Bíblia está cheia de referências ao propósito de Deus em abençoar todas as nações… há um processo de seleção: poucos são escolhidos para serem portadores do seu propósito; eles são escolhidos, não para benefício próprio, mas em favor de todos." [3]

Assim, podemos afirmar que a eleição e o chamado do povo de Deus no Velho Testamento têm sua base no propósito intencional, universal e missionário de Deus na história da humanidade.[4] Apesar de que o modo através do qual Israel viria a ser usado é desenvolvido ao longo da história da salvação, em Gênesis 12 podemos encontrar em forma embrionária a natureza e propósito do povo de Deus no mundo.

[1] Blauw, 23, e Hedlund, 37
[2] Verkuyl, 94
[3] Lesslie Newbigin, The Open Secret (Grand Rapids: Eerdmans, 1995), 32-34. Ênfase do autor.
[4] Por “propósito universal de Deus” não quero dizer “salvação universal” sem a necessária resposta e compromisso de fé. Refiro-me aqui à intenção de Deus em levar a mensagem de reconciliação para todas as nações da terra.


Em terceiro lugar, a eleição e o chamado de Abraão são manifestações da graça de Deus para com um povo, mas visando todos os povos da terra e não somente aos povos vizinhos de Israel. O contexto no qual Gênesis 12 está inserido, nos oferece um significado amplo e universal para o ato de Deus. Como Carriker demonstra, em Gênesis 12 encontramos a resposta de Deus para a dispersão humana (Gênesis 11:1-9), a qual é também o clímax da história universal (Gênesis 1-11).[1] Assim, podemos concordar com Blauw ao afirmar que toda a história de Israel nada mais é do que a continuação do interesse de Deus para com as nações, e portanto, a história de Israel pode ser entendida somente a partir do problema não resolvido na relação entre Deus e todas as nações.[2]

Desta forma, ao eleger e chamar Abraão, Deus não está lidando apenas com um homem ou um povo, mas com toda a criação e com toda humanidade. Através da escolha de Abraão, Deus está traçando o caminho para redimir todas as nações da terra. Como Verkuyl afirma que através de Israel, Deus prepara o caminho para alcançar Seus objetivos de abraçar o mundo. Escolhendo Israel, como um segmento de toda a humanidade, Deus nunca tira seus olhos das outras nações; Israel é a minoria chamada para servir à maioria.[3]

[1] Timóteo Carriker, Missão Integral (São Paulo: Editora Sepal, 1992), 45
[2] Blauw, 19. O Deus que escolheu Abraão em Gênesis 12 é o mesmo único e poderoso Deus que no princípio criou os céus e a terra (Gênesis 1,2), que criou o homem à sua própria imagem como o centro de toda a criação (Gênesis 1,2), que prometeu, depois da queda humana, que um descendente da mulher esmagaria a cabeça da serpente (Gênesis 3), que enviou o dilúvio sobre a terra, que estabeleceu uma aliança com Noé e seus descendentes (Gênesis 5-10) e que dispersou as nações em Babel (Gênesis 11). De acordo com Blauw, a ligação entre o que é conhecido por Urgeschichte (Gênesis 1-11) e a origem de Israel (Gênesis 12) é convincentemente demonstrada por Gerhard Von Rad em Old Testament Theology Vol I (New York: Harper & Brothers, 1962), 136-175.
[3] J. Verkuyl, Contemporary Missiology: An Introduction (Grand Rapids: Eerdmans, 1978), 91-92

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