Alguns autores distinguem o termo “missão” e “missões”. Enquanto o primeiro refere-se à atividade do Pai, do Filho e do Espírito Santo no mundo (Missio Dei), o segundo se refere ao engajamento da igreja nesta “missão” (Missio Ecclesiea) Desta forma, “missão” não tem como sua fonte a “igreja”, mas o Deus trino.
O documento final da conferência de Willingen (1952) já afirma: “O movimento missionário do qual somos parte, tem sua própria fonte no Deus trino.” Mas segundo Verkuyl, a igreja demonstra estar engajada com a missão de Deus na história da humanidade quando, em comunhão com Cristo e direcionada pelo Espírito Santo, demonstra os frutos do amor a Deus e aos homens.[1]
Mas existe possibilidade da Igreja não estar engajada com a missão de Deus no mundo? Segundo o documento final da conferência de Cidade do México “não há participação em Cristo sem participação em sua missão”.[2] Logo, igreja sem missão não é definitivamente Igreja.
[1] J. Verkuyl, Contemporary Missiology: An Introduction (Grand Rapids: Eerdmans, 1978) 4
[2] Op.cit., 4
‘Missão’ descreve tudo o que a igreja é enviada ao mundo para fazer. ‘Missão’ abrange a vocação dupla de serviço da igreja, para ser ‘sal da terra’ e a ‘luz do mundo’.[1]
Aqui, a visão de “missão” de Stott não demonstra preocupação com a distinção entre o conceito no singular e plural. Sua preocupação maior é quanto ao conteúdo da missão. Por dupla vocação devemos entender o pensamento de Lausanne de que a evangelização e a responsabilidade social são dois braços da missão da Igreja.[2]
[1] Carriker, 4.
[2] Ver Lausanne, Evangelização e Responsabilidade Social, (São Paulo: ABU e Visão Mundial, 1983).
Missão tem a ver com atravessar fronteiras…
As fronteiras podem ser étnicas, culturais, geográficas, religiosas, ideológicas ou sociais.
É a tarefa da igreja em movimento, a igreja que vive para os outros, a igreja que está preocupada não somente consigo mesma, mas se vira ‘às avessas’ para o mundo[1]… Missão ocorre onde a igreja, no seu desenvolvimento total com o mundo e compreensividade de sua mensagem, dá testemunho por palavra e ação na forma de um servo, com referência à descrença, exploração, discriminação e violência, mas também com referência à salvação, cura, libertação, reconciliação e retidão…
Evangelização é mais que um mero segmento de missão… é antes, uma dimensão essencial de missão. É o âmago da missão cristã para o mundo…[2]
[1] Dietrich Bonhoeffer diz que “a igreja só é igreja quando o é para os de fora.”
[2] Carriker, 4-5.
A missão acontece entre a igreja, o evangelho e o mundo. Nesse sentido, somos convidados a repensar nossa visão tradicional que, sutilmente, pressupõe o evangelho como algo que a igreja tem e não como uma força que atua tanto na igreja como no mundo. Apesar da proclamação verbal do evangelho ser responsabilidade exclusiva da igreja, a ação poderosa que faz com que corações estejam preparados para o evangelho transcendem, em muito, a ação da igreja.
Exemplo disso podemos observar nos relatos de Atos 8, no encontro entre Filipe e o oficial etíope, e em Atos 10, no episódio envolvendo Pedro e Cornélio. Em ambos os casos, antes mesmo de Filipe e Pedro chegarem onde aqueles gentios se encontravam, o poder para salvação já trabalhava naquelas vidas. A proclamação verbal do evangelho foi precedida pela ação poderosa do Espírito Santo preparando aqueles corações para receberem a mensagem da salvação.
Assim sendo, em cada momento histórico e contexto cultural a Igreja deve avaliar-se não somente em relação ao mundo, mas também em relação ao Evangelho. Em certas situações a Igreja pode ter não somente se afastado do mundo, mas também do Evangelho. Em outros momentos, ela pode estar mais envolvida pelo mundo do que pelo Evangelho. Ou ainda, a igreja pode estar envolvida pelo evangelho em atitude de avanço na direção do mundo.
Desta forma, a prática da missão não é algo que tem o poder de transformar somente o mundo, mas também a igreja. Em Atos 10, tradicionalmente entendido como a conversão de Cornélio, parece-me que o primeiro a converter-se a ação de Deus foi Pedro. Assim também, quando a igreja passa a refletir sobre sua responsabilidade para com o mundo, pode vir a concluir que necessita, primeiramente, se render novamente ao evangelho.
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