quarta-feira, 29 de abril de 2009

A conversão da Igreja


Tradicionalmente, Atos 10 tem sido lido e entendido pura e simplesmente como o relato da conversão do centurião Cornélio. No entanto, este texto nos apresenta não só a conversão deste gentio chamado Cornélio a Jesus e seu evangelho, mas também a conversão da igreja, primeiramente na pessoa de Pedro (At. 10) e depois no agrupamento de seus líderes (At. 11), à vontade de Deus para que homens e mulheres de todas as tribos, povos e raças viessem a fazer parte de seu povo.

Seria este o caso de algumas de nossas igrejas hoje? Estaríamos nós, como igreja, necessitando de conversão à ação e direção missionária do Espírito para que nossos parentes, amigos e vizinhos venham a conhecer a Jesus como Senhor e Salvador de suas vidas? Considerando Atos 10, vejamos três conversões necessárias para uma Igreja desejosa de corresponder com fidelidade a seu chamado onde Deus a tem colocado.


Os primeiros versos do capítulo 10 de Atos nos apresentam um homem gentio chamado Cornélio. Como todos nós sabemos, os gentios eram considerados pelos judeus como impuros e, conseqüentemente, pessoas distantes da relação e da ação de Deus. Por causa disso, era até mesmo proibido a um judeu relacionar-se com gentios, como Pedro afirma aos da casa de Cornélio: “Vós bem sabeis que é proibido a um judeu ajuntar-se ou mesmo aproximar-se a alguém de outra raça; mas Deus me demonstrou que a nenhum homem considerasse comum ou imundo.” (vs.28)

No entanto, lendo o texto a partir desta perspectiva judaica, a descrição de Cornélio apresentada pelo evangelista Lucas causa surpresa ao afirmar que Cornélio era: “Piedoso e temente a Deus, com toda a sua casa, o qual fazia muitas esmolas ao povo, e de contínuo orava a Deus” (vs.2). Mais surpreendente ainda é o fato de que Lucas nos diz que Cornélio teve uma visão vinda de Deus (vs. 3-6) e diante disto, obedeceu prontamente às ordens de Deus (vs.7-8).

Um importante princípio missionário que podemos apreender deste trecho é o da necessidade de estarmos sempre sensíveis à ação de Deus no mundo e na vida daqueles que nos cercam. Às vezes, somos erroneamente levados a pensar que Deus só cuida e só age na vida dos que estão na igreja, ou seja, Deus é o Senhor da Igreja. No entanto, a Bíblia nos apresenta inúmeras evidências de Deus como Senhor do Universo e que age sobre tudo e sobre todos.

Como tem se dado nossa relação com nossos parentes, amigos e vizinhos envolvidos pela religiosidade brasileira expressa no catolicismo, espiritismo e em tantos outros “ismos” que nos cercam? Sei que fomos educados a enxergá-los como pessoas sob influência exclusiva de Lúcifer e sem qualquer contato com a graça e providência de Deus. Mas será esta uma visão bíblica apropriada? Que tal começarmos a observá-los de forma um pouco mais atenta e procurarmos perceber o cuidado e ação de Deus em suas vidas? Que tal estarmos mais sensíveis a sentimentos e situações geradas por Deus em suas vidas como portas para a apresentação de Jesus? Que tal exercitarmos um coração mais aberto, paciente e sensível para com aqueles que, assim como Cornélio, mesmo que de forma ainda imprecisa e sem considerar a pessoa de Jesus, demonstram desejo na busca de Deus?


Em Atos 10: 11-16 Pedro está orando quando, numa visão, ele é ordenado a comer alimentos que anteriormente eram proibidos pela lei cerimonial judaica. Pedro responde sem vacilar: “De modo nenhum, Senhor, jamais comi cousa alguma comum e imunda.” No entanto, a ordem que se segue é: “Ao que Deus purificou não consideres comum.” Isto nos indica que, apesar da resposta inicial de Pedro ter aparência de fidelidade a Deus era na verdade fidelidade à uma determinada “tradição” a qual, apesar de usada por Deus num determinado momento histórico, havia se tornado agora um empecilho para a missão.

Assim, Pedro é desafiado pelo Espírito a reavaliar o alvo de sua fidelidade: sua tradição ou o Deus de sua tradição? Esta reavaliação conduz Pedro, primeiramente, a compreender a flexibilidade nas “tradições” de expressão da fé e de comunicação de Deus e sua vontade aos homens. Por outro lado, esta flexibilidade viabiliza diretamente seu testemunho no mundo, pois Ele afirma aos da casa de Cornélio: Vós bem sabeis que é proibido a um judeu ajuntar-se ou mesmo aproximar-se a alguém de outra raça; mas Deus me demonstrou que a nenhum homem considerasse comum ou imundo.” (vs.28)

Mas o que esta experiência tem para no ensinar? Como crentes, num mundo em constantes e rápidas mudanças, primeiramente somos convocados a ser fiéis à imutável Palavra de Deus. Por outro lado, precisamos considerar que nossa tarefa é levar esta Palavra imutável a um mundo em constantes e rápidas transformações. Por isso, apesar de comprometidos com a Palavra, precisamos reconhecer a flexibilidade dos métodos usados por Deus, através das quais podemos comunicar e expressar nosso compromisso de fé.


Nos versos 19-20, encontramos uma ordem de Deus a Pedro: “Estão aí dois homens que te procuram; levanta-te, pois, desce e vai com eles nada duvidando, porque eu os enviei.” No verso 23, encontramos a resposta de Pedro à ordem dada: “No dia seguinte levantou-se e partiu com eles…” O que se segue é o relato da chegada de Pedro à casa de Cornélio, o encontro do apóstolo com um grupo sedento pela mensagem da salvação e, como fruto maior desta aproximação, a manifestação da graça de Deus na vida daqueles homens e mulheres.

Assim como Pedro foi desafiado por Deus à aproximação daqueles gentios, Felipe já havia vivenciado experiência semelhante em relação ao eunuco etíope (At.8:26-40) e Paulo ouviria um varão macedônio em sonho lhe dizer: “Passa à Macedônia e ajuda-nos” (At.16:9). Mas o maior exemplo deste desafio à aproximação dos homens e mulheres encontramos na própria vida de Jesus, pois como relata João, “…o Verbo se fez carne e habitou entre nós…” (Jo.1:14). Assim, o apóstolo Paulo nos desafia: “Tende em vós o mesmo sentimento que houve em Cristo Jesus…” (Fp.2:6-7).

Desta forma, se queremos ver a manifestação da graça de Deus na vida de nossos amigos, precisamos nos conscientizar do desafio em termos o mesmo sentimento que houve em Cristo e nos aproximarmos deliberada e intencionalmente deles. Devemos estar atentos às oportunidades para demonstração de interesse e amor genuíno às pessoas. Elas só estarão abertas para ouvir o que temos a dizer quando sentirem o quanto nos importamos de fato com elas.

No entanto, alguns obstáculos têm impedido a aproximação entre os crentes e as pessoas que diariamente os cercam. Gostaria de apontar apenas dois deles para nossa reflexão:

A falsa concepção de santidade. Ser cristão, como é definido por Jesus, implica em ser sal da terra e a luz do mundo (Mt.5:14-16). Mas, como pode o sal ter efeito se permanecer no saleiro? Ou como pode uma lâmpada cumprir seu papel se for mantida numa prateleira com outras lâmpadas? Quando decidimos por ter uma vida missionária, somos convidados a sair de nossa zona de conforto e segurança que são os amigos da igreja, as conversas dos crentes e as atividades da comunidade, e nos envolver com um mundo estranho e perigoso. Mas mesmo assim Jesus orou: “Não peço que os tires do mundo; e, sim, que os guardes do mal.” (Jo.17:15).

O ativismo religioso. Tenho notado que a maioria dos casos em que as pessoas se convertem, por um tempo pequeno este crente ele ainda goza de certos relacionamentos com amigos, parentes e vizinhos. Porém, após algum tempo de envolvimento com as constantes atividades da igreja, seu círculo de relacionamentos se restringe apenas aos da fé. Isso significa que as agendas de nossas comunidades estão normalmente tão cheias que dificilmente temos tempo para estar com aqueles que não pertencem a ela.

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