Na semana passada fizemos uma introdução sobre a escolha dos doze discípulos por Jesus. Hoje daremos início a uma série de mensagens biográficas dos doze homens comuns escolhidos por Jesus buscando descobrir e aprender com suas características, personalidades e caráter.
HOJE veremos a personalidade, vida e ministério de Tiago, o discípulo justo.
Dos três discípulos mais chegados de Jesus, a Bíblia fala menos de Tiago. Nos evangelhos ele sempre aparece acompanhado de João, seu irmão mais jovem e mais conhecido. Apenas em Atos ele aparece sozinho, quando da ocasião de sua morte.
A Bíblia registra 4 pessoas com o nome de Tiago no Novo Testamento. Vejamos: Um deles era filho de Alfeu, chamado o menor; outro é citado como o meio-irmão de Cristo (ambos filhos de Maria); um era desconhecido, pai do apóstolo Tadeu; mas não estou me referindo a nenhum destes. O Tiago, discípulo justo a que me refiro é o filho de Zebedeu, apóstolo e irmão do apóstolo João, comumente chamado de Tiago Maior ou o presbítero, assassinado por Herodes em Atos 12.
O nome Tiago tem um significado muito forte, que principalmente se tratando do filho de Zebedeu, caiu-lhe muito bem. O nome significa “suplantador” aquele que domina, pisoteia, supera, excede, ultrapassa e vence.
Seu pai Zebedeu era um pequeno empresário, dono da maior peixaria na Galiléia e contava com vários pescadores trabalhando para ele. Sua mãe Salomé era uma das discípulas de Jesus que o acompanhou durante boa parte de seu ministério servindo-o (Mateus 27:55) inclusive com seus bens. Ela também foi uma das mulheres que foram embalsamar o corpo de Cristo quando da sua ressurreição.
É irônico perceber que a Bíblia fala tão pouco de Tiago, visto que tinha a segunda maior influencia no grupo dos discípulos. Como integrante do grupo íntimo de Jesus, Tiago foi privilegiado em testemunhar de maneira exclusiva alguns feitos dele: a ressurreição da filha de Jairo, a visão de Cristo glorificado e o sofrimento do mestre no Getsêmani antes de sua morte.
Por possuir características de um bom líder, vindo de uma família influente e por participar do grupo íntimo de Jesus, provavelmente Tiago acreditava que deveria ser o maior no grupo dos doze. (Lucas 22:24). Todavia, o máximo que ele conseguiu foi ser o primeiro do grupo a ser morto por causa de Jesus.
Era um homem que vivia intensamente. Não era do tipo de esperar as coisas acontecer, era daqueles que fazem as coisas acontecer. Tinha uma disposição de um verdadeiro líder e uma enorme habilidade de fazer inimigos muito rápido, devido a seu temperamento extremamente justo que mais cheirava a “arrogância”. Impaciente e muito “franco” com aqueles que erram, Tiago se deliciava com atos de justiça e a misericórdia definitivamente não era seu ponto forte.
Por causa de sua personalidade forte foi chamado por Jesus de “Boanerges”, que significa “filho do trovão” juntamente com seu irmão. Certamente ele se satisfez quando Jesus expulsou os cambistas do templo com chicotadas; sentiu prazer quando Jesus amaldiçoou os habitantes de Corazim e Betsaida e se deliciou quando demônios foram subjugados. A este discípulo Jesus ensinou, a duras penas, que “a misericórdia triunfa sobre o juízo.” (Tiago 2:13) e que ser demasiadamente justo pode destriuí-lo (Eclesiastes 7:13). Por esta razão a justiça sem a sabedoria divina é perigosa (Romanos 10:2); a firmeza de liderança sem a sensibilidade do Espírito Santo é cruel e quando falta a paciência para com os que erram, em qualquer situação, o resultado é mortal.
Em duas situações específicas vemos Tiago exercendo essa justiça mal empregada e aprendemos muito com ele. Vejamos:
A melhor passagem que revela Tiago como sendo um verdadeiro filho do trovão, um justiceiro sem misercicórdia, é a passagem de Lucas 9:51-56. Leiamos: “E aconteceu que, ao se completarem os dias em que devia ele ser assunto ao céu, manifestou, no semblante, a intrépida resolução de ir para Jerusalém e enviou mensageiros que o antecedessem. Indo eles, entraram numa aldeia de samaritanos para lhe preparar pousada. Mas não o receberam, porque o aspecto dele era de quem, decisivamente, ia para Jerusalém. Vendo isto, os discípulos Tiago e João perguntaram: Senhor, queres que mandemos descer fogo do céu para os consumir? Jesus, porém, voltando-se os repreendeu e disse: Vós não sabeis de que espírito sois. Pois o Filho do Homem não veio para destruir as almas dos homens, mas para salvá-las. E seguiram para outra aldeia.”
Caminhando para o fim de seu ministério, Jesus resolve voltar a Jerusalém para a sua última festa da Páscoa, onde seria preso e crucificado. E como de costume, ele resolve passar por Samaria, caminho mais curto e para isso envia alguns discípulos com o fim de providenciar um lugar para receber todo o grupo. Ao chegarem a Samaria, os moradores dali não quiseram oferecer pousada para Jesus e seus discípulos, por causa do ódio dos samaritanos para com os judeus e vice-versa.
Tal sentimento se devia ao fato de que no passado, a cidade de Samaria havia sido habitada por assírios, que além de casarem com judeus residentes, introduziram a adoração a outros deuses no monte Gerizim. Naquela ocasião, por causa de problemas na terra, o rei assírio trouxe um sacerdote judeu para que prestasse culto ao Deus de Israel e assim, conter sua ira, sem descartar a adoração aos seus deuses assírios. O que resultou foi uma população mista de judeus e assírios, bem como um povo de coração dividido quanto a adoração. Por essa razão, os judeus e samaritanos se odiavam, pois cada um trazia para si a credibilidade na forma de adorar e servir a Deus.
Quando os samaritanos viram que o grupo de Jesus era de judeus, e que estavam de passagem para ir a Jerusalém adorar, fizeram de tudo para impedi-los. Isso porque eles não só odiavam os judeus, mas a toda forma de culto feito em Jerusalém. Por esta razão não ofereceram acomodações para Jesus e seus discípulos passarem a noite ali. Não por falta de espaço em suas hospedarias, mas por ódio.
É nesse contexto que Tiago e João (este último certamente influenciado pelo irmão mais velho) filhos do trovão, ao ver a falta de hospitalidade dos samaritanos, encheram-se de ira e perguntaram a Jesus: “Senhor, queres que mandemos descer fogo do céu para os consumir?” (Lucas 9:54)
Apesar de ter até um toque de nobreza em sua indignação contra os samaritanos, pois o zelo de defender a Cristo é digno e aceitável, a atitude de Tiago e João estava incorreta. Primeiro por causa da motivação deles em dizer “Senhor, queres que [nós] mandemos descer fogo do céu?”. Que poder eles tinham? Nenhum! Por isso podemos entender que eles estavam na verdade pedindo que o Senhor os capacitasse para que, com as próprias mãos, pudessem exercer justiça em nome de Deus. Você percebe o tom de arrogância na pergunta que fizeram?
A segunda razão de seu erro foi o fato de não entender, até aquele momento, que a missão de Jesus era de salvar os perdidos e não de condená-los. Por isso Jesus os repreende dizendo: “Vós não sabeis de que espírito sois. Pois o Filho do Homem não veio para destruir as almas dos homens, mas para salvá-las.” (Lucas 9: 55 e 56). É claro que virá o dia em que Jesus julgará a todas as pessoas, mas não seria naquele momento e nem naquele lugar.
Diante do ocorrido o texto nos diz que Jesus optou por seguir para outra aldeia (Lucas 9:56). É certo que isso causou muitas dificuldades até encontrar e se acomodar num novo lugar. Todavia, desta maneira, Jesus ensinou aos “filhos do trovão” que a bondade e a misericórdia devem ser maiores que a justa indignação. Existem momentos que o melhor é sofrer o prejuízo, por amor e misericórdia.
Alguns anos depois, Samaria recebeu a visita do diácono Filipe que pôde ver a conversão de muitos samaritanos com a pregação do evangelho. Certamente, entre os muitos convertidos estavam aqueles que maltrataram a Cristo e seus discípulos. Tenho certeza de que mesmo Tiago ficou satisfeito quando tomou conhecimento da aceitação do evangelho pelos samaritanos.
Marcos 10 nos dá a outra face do caráter de Tiago. Leiamos:
“Então, se aproximaram dele Tiago e João, filhos de Zebedeu, dizendo-lhe: Mestre, queremos que nos concedas o que te vamos pedir. E ele lhes perguntou: Que quereis que vos faça? Responderam-lhe: Permite-nos que, na tua glória, nos assentemos um à tua direita e o outro à tua esquerda.”
Olhando para essa passagem podemos nos perguntar: mas de onde Tiago e João tiraram a idéia de que alguém poderá assentar ao lado de Jesus em seu Reino? A resposta? Bem, do próprio Jesus.
Ao tomar conhecimento de que no reino de Deus haverá doze tronos reservados para os discípulos julgarem a Israel, palavras ditas por Jesus em Mateus 19:28, Tiago, um dos três no grupo íntimo de Jesus, líder incontestável, de família influente, juntamente com seu irmão, pensava haver motivos de sobra para ser ele e seu irmão os escolhidos a assentar nos dois principais tronos ao lado de Jesus. Você não concorda com ele?
Mas como conseguir essa garantia do Mestre? Aí surge a idéia de usar até mesmo sua mãe Salomé como parte do plano (Mateus 20:20-28). Jesus não negaria um pedido feito por uma mãe que o acompanhava e o servia desde o início de seu ministério. Você percebe a astúcia e armação de Tiago, incluindo seu irmão e mãe?
Todavia, qual foi a resposta de Jesus? Vejamos:
“Não sabeis o que pedis. Podeis vós beber o cálice que eu estou para beber?” (Mateus 20:22). Observe que Jesus se refere a um cálice que ele mesmo estava prestes a beber. Por diversas vezes Jesus usou o cálice como figura de sua morte. O curioso é que mesmo sendo advertidos por Jesus “não sabeis o que pedis”, Tiago e João movidos por um desejo egoísta respondem imediatamente: “Podemos beber esse cálice, Senhor”. Naquele momento não faziam idéia do que acabara de falar.
Desejosos de ocupar lugar de destaque estavam dispostos a fazer qualquer coisa, passar por cima de qualquer pessoa, fazer qualquer sacrifício. Todavia Jesus os adverte: “Bebereis o meu cálice; mas o assentar-se à minha direita e à minha esquerda não me compete concedê-lo; é, porém, para aqueles a quem está preparado por meu Pai”. Cristo os garantiu o beber o cálice da morte por amor ao evangelho, mas os advertiu que o assentar no trono não fazia parte do acordo.
A ambição dos dois causou muita discussão entre o grupo dos doze, e mesmo na última ceia isso ainda era motivo de discussão. Todavia, Jesus chama todos os discípulos e os adverte de que quem desejasse ser o maior, deveria se tornar o servo de todos.
E aconteceu. Esse “filho do trovão” foi transformado por Cristo cujo desejo de justiça e ambição agora controlados pelo Espírito Santo se tornaram em instrumentos preciosos nas mãos de Deus para a propagação do Reino. Ainda corajoso, justo e comprometido com a misericórdia e verdade, ele buscava o engrandecimento do nome do Senhor e não do seu próprio nome.
Catorze anos depois disso, quando Herodes quis prender alguém da Igreja, ele se põe à frente em defesa dela. Ele chegou ao lugar que sempre desejou, na linha de frente da Igreja Primitiva. Veio a ser o primeiro discípulo a morrer por causa de sua fé. Ele foi decapitado ao fio da espada por Herodes. Sua vida foi curta, mas sua influência permanece até hoje.
Tiago desejava uma coroa de glória; Jesus deu-lhe um cálice de sofrimento. Desejava poder; Jesus deu-lhe serviço; Desejava um trono de destaque; Jesus deu-lhe um túmulo de mártir.
A história contada por Clemente de Alexandria, diz que Tiago deu testemunho até no momento de sua morte. Um dos soldados que o conduzia ao tribunal foi tocado com o seu testemunho e confessou a Cristo como seu Senhor. Conseqüentemente ambos foram mortos no mesmo dia.
Em algum ponto ao longo do caminho, ele teve que aprender a controlar sua raiva, refrear sua língua, redirecionar seu desejo por justiça, eliminar sua sede de vingança e perder inteiramente sua ambição egoísta. E o Senhor o usou grandemente.
Tais lições são, por vezes, difíceis de serem aprendidas por pessoas intensas como Tiago. No entanto, se tais pessoas se entregam ao controle do Espírito Santo, esse desejo por justiça com misericórdia aliado a grande ambição de tornar Deus conhecido se torna um instrumento precioso nas mãos de Deus. A vida de Tiago é uma prova disso.
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