Com a série de mensagens “Ele escolheu doze homens comuns” nós temos aprendido que o único critério usado por Jesus na escolha dos doze discípulos foi o amor. Eles, assim como nós, não tinham aptidões, cursos, qualificações para exercer tão importante tarefa, a de fundamentar a Igreja cuja “pedra angular” é o próprio Cristo.
Já falamos sobre Tiago, o discípulo justo e de Tiago, o discípulo menor.
Hoje falaremos sobre o discípulo que fazia as contas. Mas quem é ele?
É curioso perceber que as narrativas de Mateus, Marcos e Lucas nada falam sobre esse discípulo. Todas as informações que temos dele nos são dadas pela narrativa do apóstolo João.
Ele era da cidade de Betsaida, a mesma cidade de André, Pedro, Tiago e João (João 1:44). Existem fortes evidências de que eles se conheciam desde a infância e de que o discípulo que fazia as contas era um dos pescadores que trabalhava para a peixaria de Zebedeu, pai de Tiago e João. Ele aparece com freqüência acompanhado de Natanael. Esse último era de Caná da Galiléia e ao que tudo indica, os dois eram amigos chegados dentro do grupo dos doze.
O seu nome significa “aquele que gosta de cavalos”. Estamos falando de Filipe. É bom não confundirmos esse Filipe, com o Filipe diácono e evangelista de Atos 6, que anuncia o evangelho ao eunuco etíope. O discípulo Filipe era outra pessoa.
Encontramos Filipe pela primeira vez no capítulo 1 de João quando ele é convidado pelo próprio Jesus a segui-lo. No dia anterior, Jesus havia sido batizado por João no rio Jordão e recebido a visita de André, Pedro e João que foram até a sua casa.
Numa rápida leitura de João 1:43, somos sugestionados a afirmar que Filipe “foi convertido” no momento em que recebera o convite de Jesus. Todavia, ao estudar a personalidade dele, podemos certificar que sua decisão apenas teve inicio ali. Filipe não se tornaria discípulo sem antes conferir se Jesus era realmente o Messias prometido, o Filho de Deus.
Tanto é verdade que, assim que ele é convencido de que o filho de José, o carpinteiro, era o Messias, ainda surpreso com tal descoberta, ele se rende a Jesus e procura seu melhor amigo Natanael dizendo: “Achamos aquele de quem Moisés escreveu na lei, e a quem se referiram os profetas: Jesus, o Nazareno, filho de José.” (João 1:45)
Filipe havia acompanhado Jesus como um investigador, se perguntando: “vamos ver qual é a desse filho de José, veremos se as evidências confirmam ou não ser ele o Messias segundo as profecias”. Ele vai com Jesus, ouve tudo, analisa as evidências, confere as promessas, para só depois se render ao Senhorio de Cristo. Filipe era extremamente racional.
Observe outro detalhe. Quando ele procura seu amigo Natanael, ele diz: “Achamos aquele...”. Isso é revelador. Para Filipe, ele achou Jesus e não o contrário. Mas o que diz o texto? Vejamos: “NO DIA IMEDIATO, RESOLVEU JESUS PARTIR PARA A GALILÉIA E ENCONTROU A FILIPE, A QUEM DISSE: SEGUE-ME.” (João 1:43). Quem encontrou quem aqui?
Cristo encontrou Filipe primeiro. Temos aqui a tensão existente entre a eleição soberana e a escolha do ser humano. O chamado de Filipe é uma ilustração de como as duas existem em perfeita harmonia. O Senhor encontrou Filipe, mas Filipe sentiu que ele é quem havia encontrado o Senhor. Contudo, do ponto de vista bíblico, sabemos que a escolha determinante pertence a Deus: “Não fostes vós que me escolhestes a mim; pelo contrário, eu vos escolhi a vós outros” (João 15:16ª)
João 6 narra a ocasião em que Cristo havia se retirado da cidade, para um dos montes, onde ensinava seus discípulos, quando foram surpreendidos por uma multidão. O texto diz que só de homens havia quase 5000, fora mulheres e crianças. Estima-se de que havia ali, no mínimo 10 mil pessoas.
Depois de atendê-los com sua palavra, diz-nos o texto: “ENTÃO, JESUS VENDO A MULTIDÃO... DISSE A FILIPE: ONDE COMPRAREMOS PÃES PARA LHES DAR A COMER? RESPONDEU-LHE FILIPE: NÃO LHES BASTARIAM DUZENTOS DENÁRIOS DE PÃO, PARA RECEBER CADA UM O SEU PEDAÇO.” (João 6: 5 e 7)
Por que o mestre escolheu Filipe para fazer-lhe a pergunta? Por que não Mateus, Tiago ou mesmo Judas? Simples. O vs. 6 diz-nos que Jesus estava experimentando Filipe. Filipe era extremamente metódico e amava fazer cálculos. Era o “pessimista” e “pão-duro”. Estava sempre obcecado por descobrir a razão pelas quais as coisas não podem ser feitas, em vez de buscar uma forma de fazê-las.
Jesus sabia que desde a chegada da multidão, Filipe havia se desligado de sua mensagem. Ele estava ocupado contando quantas bocas havia ali e quantos denários seriam necessários para alimentar aquela multidão. “Bem” pensava ele, “com um denário podemos comprar 10 pães de trigo. Cevada é mais barato, 20 pães. Se dividirmos ao meio, teremos 40 pedaços. Com os 200 denários que ainda temos em caixa, igual a 8000 pedaços de pães” e então olha para a multidão e concluí: “é como eu já previa, não dá mesmo”. Tanto é verdade que, ao ouvir a pergunta do Mestre, ele já tinha a resposta na ponta da língua: “Senhor, pelos meus cálculos, não será possível, mesmo com 200 denários”.
Pessoas como Filipe tem dificuldades de acreditar no poder de Deus. Filipe poderia ter dito a Jesus: “Senhor, de fato não temos recursos financeiros para alimentar essa multidão, mas, ouvi dizer que tem um menino aí com 5 pães e dois peixes. Sei que assim como o Senhor transformou água em vinho em Caná da Galiléia, podes fazer o mesmo com pães e peixes. Se quiser, o Senhor pode alimentar esse povo com o seu poder”.
Sabe qual era o problema de Filipe? Ele sabia matemática demais para servir a Deus. Ele precisou aprender que no Reino de Deus, falta de recursos nunca foi problema. Problema no Reino de Deus tem outro nome – PECADO. Sabemos o final da história, com seu poder Jesus fez a multiplicação dos pães e peixes e alimentou a todos. Naquela noite cada discípulo voltou para casa, especialmente Filipe, com um cesto nas mãos, cheio de pães e peixes. Aleluia!
Estamos agora no capítulo 12 de João. Aqui encontramos Jesus chegando à cidade de Jerusalém para a festa da Páscoa, quando alguns gregos desejosos de ter uma conversa em particular com Jesus, procura Filipe (talvez por ser ele o único no grupo dos doze com nome grego) e tenta agendar com ele tal encontro. Qual é a atitude de Filipe? Reveladora.
Filipe não fazia nada sem antes olhar quais eram as regras. “Bem”, pensa ele, “vejamos o manual. Aqui está. Jesus foi enviado aos judeus (Mt 10:5, 6 e 15:24). Estranho, não diz nada sobre receber gentios e samaritanos”. Surge então a dúvida: “Gentios podem ser recebidos por Jesus? E se eu marcar essa entrevista e for chamado a atenção? O manual não deixa claro essa questão. Não posso assumir tal risco.” Filipe apreciava regras absolutas para ser cumpridas com rigidez. Por isso, ele não estava preparado para fazer algo que era fora do convencional.
Nessa situação, o melhor é transferir a responsabilidade. Diz-nos o texto, “FILIPE FOI DIZÊ-LO A ANDRÉ, E ANDRÉ E FILIPE O COMUNICARAM A JESUS.” (João 12:22). Mas por que André? André era do tipo que levava qualquer um a Jesus (havia levado Pedro, até a casa de Jesus sem pedir permissão, o que era um absurdo aos olhos de Filipe). Então, nada mais seguro do que transferir a responsabilidade deste ato ao “ingênuo e irresponsável” André. Assim, se algo desse errado, a culpa seria dele.
É certo que a Palavra de Deus é o nosso guia para todas as circunstâncias da vida. Além do mais, o Espírito Santo sempre a usará para nos instruir: “Quando te desviares para a direita e quando te desviares para a esquerda, os teus ouvidos ouvirão atrás de ti uma palavra, dizendo: Este é o caminho, andai por ele.” Isaías 30:21. Todavia existem situações em que não há regras absolutas, e nesse momento, ao invés de procurar alguém para assumir o risco em nosso lugar, precisamos ter coragem de assumir nossos atos. André não pensou duas vezes, levou os gentios a Jesus certo de que estava fazendo o correto. Corajoso é aquele que sabe enfrentar os seus medos.
Era a última noite de Jesus com seus discípulos, antes de sua morte. Jesus os reúne para a última ceia. Fala aos seus corações, preparando-os para o momento difícil. Durante a ceia, ele abre o coração, diz da necessidade de ir ao Pai e enviar o Espírito Santo.
Naquele instante, Tomé abre a boca e pergunta o que estavam pensando: “Senhor, não sabemos para onde vais, como saber o caminho?” (João 14:5). A isso Jesus responde: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai a não ser por mim”. Nesse momento, Filipe faz o pior comentário que alguém poderia fazer naquele momento. Diz ele: “SENHOR, MOSTRA-NOS O PAI, E ISSO NOS BASTA.” (João 14:8).
Quanta insensibilidade! O racional Filipe, que não gosta de lidar com sentimentos, após 18 meses, caminhando 24 horas por dia com o Mestre, sete dias por semana, ainda duvida da palavra de Jesus. “Senhor, em vez de ficar falando sobre o Pai, dá-nos um dado concreto, um sinal claro, aqui e agora, preto no branco, e acreditarei”. Que miséria! A resposta de Jesus foi imediata: “Filipe, há tanto tempo estou convosco e ainda não acredita que eu e o Pai somos a mesma pessoa? Acredite nisso, pelo menos pelas obras que realizei”.
Por causa de sua insensibilidade, Filipe não se deu conta que nos últimos meses havia andado com o próprio Deus em pessoa. A resposta do Senhor desperta a mente de Filipe para tudo aquilo que ele havia feito com seu poder divino. Nenhum ser humano é capaz de realizar feitos tão poderosos. Filipe havia sido testemunha de inumeráveis curas extraordinárias, visto paralíticos andarem, morto ressuscitar, pães e peixes se multiplicar, e ainda assim estava em dúvida a respeito de Jesus ser Deus. Filipe viu Deus agindo o tempo todo, mas optou pelo caminho do “acaso”. Foi sorte, diz ele. Pessoas assim passam a vida ao lado do Senhor, sem conhecê-lo, como o irmão do filho pródigo, até o servem, mas sem alegria. Lastimável.
Depois daquela última conversa com Jesus, algo aconteceu. Não sabemos o que, nem mesmo como. Mas, podemos afirmar que Jesus transformou aquele Filipe em um discípulo especial. A história da Igreja diz que ele continuava com espírito investigador, mas agora para ensinar a Palavra de Deus ao povo. Ele tornou-se num grande pregador evangelista, foi responsável em conduzir multidões a Cristo. Por causa de sua fé fortalecida, viajou sem muito recurso, para anunciar a salvação. Sua sensibilidade ao Espírito de Deus o levou a ser morto, apedrejado em Heliópolis na Ásia Menor, oito anos depois de Tiago, filho de Zebedeu. Filipe aprendeu a lição.
Nenhum comentário:
Postar um comentário